sexta-feira, 10 de março de 2017

Da Série “O Professor Hemetério e seu detestável Aluno” – Sétima Conversa -http://www.blogdopaulonunes.com

Da Série “O Professor Hemetério e seu detestável Aluno” – Sétima Conversa


Ruy Medeiros
… Plash peat raash pal… O professor Hemetério levantou os olhos do jornal e olhou em direção ao passeio, de onde vinha o som de algum arrasto ou batida.
Só podia ser o Chav…, o Chiquinho, disse. E reparou melhor: a bicicleta do detestável aluno, conduzida sobre o passeio, colidiu sobre braço e sacola do bravo professor Andrade. E era de esperar que Andrade estivesse levando para distribuir, os livrinhos de cordel. Em cima do passeio espelharam-se “O Cantor e a Meretriz”, “Juvenal e o Dragão”, “O Soldado Jogador”, “Vicente, o Rei dos Ladrões”, “Canção de Fogo”, “A chegada de Lampião ao Inferno”, e outros. Uma verdadeira antologia da poesia popular. O professor ajudou Andrade a recolher os livros.
– O passeio é do pedestre, rapaz! Disse alguém. Chiquinho retrucou: não tem ciclovia, o moço quer que eu ande pela rua pra ser atropelado? E, logo, dirigindo-se ao professor:
O senhor sabe que querem destruir uma das principais ciclovias da cidade? É uma das maiores. Eu li na internet.
O professor, embora um tanto incrédulo com o absurdo, resolveu deitar comentário.
Ora, Chiquinho, as ciclovias apareceram como uma das principais vias para mobilidade humana. Elas estão nas principais cidades. Algumas metrópoles possuem bicicletário para que pessoas peguem uma bicicleta até outro bairro, onde o veículo é entregue, em outro bicicletário. Já há ciclovias entre cidades e cuida-se de executá-las entre países. Evita acidentes entre usuários e veículos maiores, serve a veículo não poluente, econômico, vinculado ao desenvolvimento físico. Algumas são utilizadas para a prática de esportes, ciclismo. Destruir ciclovia atenta contra o interesse do povo e de sua parca economia, contra o meio ambiente, contra a liberdade de escolha de seu meio de locomoção. Há planejadores urbanos que elaboram plano cicloviário, e quando projetam vias e sua hierarquia, estabelecem o plano cicloviário.
– Sem essa, professor. Deixa o barco rolar. Deixa a contramão do progresso. Esse tal de vários modais…
– Olha, rapaz (respondeu o professor, enquanto Andrade batia seu lampeônico chapéu contra as coxas para tirar a poeira) não se pode reagir dessa maneira. Direitos costumam ser retirados um a um se as pessoas não reagem. Um poeta, de nome Eduardo Alves da Costa, lá de Niterói, nascido em 1936, autor de várias poesias, escreveu uma que foi traduzida em vários idiomas e transformada em posters que adornaram paredes do Café du Marquis, em Praga, e em cafés de Londres, Paris, etc, como nos informa seu editor. Nesse poema, há versos que dizem: “Tu sabes/conheces melhor que eu a velha história / Na primeira noite, eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim / E não dizemos nada / Na segunda noite, já não se escondem: / pisam as flores, / matam nosso cão, e não dizemos nada./ Até que um dia, / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo nosso medo, / arranca-nos a voz da garganta. / E já não podemos dizer nada”.
Pois é! Entre, professor Andrade, tome um refrigério; deixa-me matar a saudade de literatura de Cordel. E você, seu Chiquinho, vê se não apronta outra. Está despachado.

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