Ruy
Medeiros
Eles
apareceram e apareceram muito, como queriam aparecer. De integrantes
de uma instituição do Estado, eles queriam muito mais: normatizar
condutas sob pretexto de melhor aplicar as normas de caçar e punir.
Eles
– não todos os membros da instituição – foram à caça.
Imaginaram-se salvadores. De garantidores do direito estimavam-se
ungidos do poder de vingar atribuído aos heróis. Assim ontem e
hoje.
E,
então, confundiram e confundem moral e direito e por isso igualmente
confundiram e confundem sanção jurídica com sanção moral. A
punição moral, que é difusa (a sociedade vale-se do opróbio,
chacota, reprovação e recriminações difundidas em seus
seguimentos), precedia sistemática e amplamente a sanção jurídica,
que é organizada e concentrada no Estado julgador e segue regras não
espontâneas: não é chacota, nem riso, nem xingamentos, pois é
pena decorrente de um devido processo legal.
E
a sanção moral era (é) buscada amplamente como o capitalista busca
a reprodução do capital (a comparação não é gratuita). À
noite, aqueles membros da instituição alimentavam imprensa, rádios,
blogs, o diabo-a-quatro. Pela manhã esses regurgitavam o alimento
noticioso e aqueloutros se deliciavam com o regurgitamento. Ficavam
cientes que, com o estardalhaço dos meios de comunicação, ninguém
poderia opor-lhes.
A
pressão moral realizava-se amplamente sobre investigados. Quem iria
desobedecer a onda moralista e com isso a ira social? Com a pressão
que se estendia aos outros poderes do Estado, eles conseguiam
despojar o direito de qualquer conteúdo ético, por que não se
pode, nessa frente de batalha, falar-se em devido processo legal, com
seu valor ético. A defesa segue já despojada de algumas armas,
enfraquecida.
A
falta de um júri espetaculoso (no qual regras de procedimento teriam
de ser obedecidas) buscavam o espetáculo vulgar. Imprensa convocada,
instrumentos na mão, lugar de evento contratado e pago, realizava-se
a função e atores do Estado a várias vozes liam o texto: não era
denúncia ou libelo acusatório. Estes são dirigidos ao Estado
julgador. A peça lida era dirigida à plateia presente e alcançava
toda sociedade por intermédio de rádios, televisões, jornais. É
como dissessem: “nós os acusamos à sociedade que os julgará”.
E isso se repetia: é que o comportamento seguia a lógica da sanção
(punição) moral: ser difusa. Não seguia concentração e processo
legalmente controlado, regido pelo contraditório e defesa plenária.
Só uma parte fala. Antes de dirigir-se ao juiz a denúncia, esta era
dirigida à sociedade.
Não
se tratava de exagerado apreço pela informação. O objetivo buscado
era outro. Não se tratava de cultivar o direito de informar e obter
informação nem de liberdade de imprensa. Diferentemente disso
estabelecia-se o contínuo procedimento de inversão e prévia
condenação de investigados pela midia e pela sociedade (alguns dos
caçados foram absolvidos pelo Estado julgador e isso demonstra que o
julgamento difuso, moral, sequer segue a alegada moralidade).
Logo
a inversão acentuou e alimentou práticas de acordo com o “clamor
popular” (opinião publicada substitui opinião pública na
manipulação social). Não só ocorreram “vazamentos” ilegais,
pois também aconteceram francas interceptações telefônicas e sua
divulgação fora da lei, pedido e apoio a conduções coercitivas
ilegítimas, prisões preventivas abusivas.
Um
grupo, dentro da instituição, conhecedora do uso político da
moralidade, não teve dúvida e fez o “link”: moral-política.
Com isso responderam ao sofrimento de frustrações e desencantos
potencializados pela crise, insatisfação e a situação
político-econômica, com o ideário salvacionista de bons costumes,
pátria e família. Muitos engajaram-se na campanha de um capitão
reformado.
Contrariando
o cânone da Constituição que a moldou, dentro da Instituição o
grupo que se atribuiu o papel de vingador social, vem patrocinando o
direito penal do inimigo (no Brasil, isso aproxima o investigado da
situação de inimigo interno da doutrina da segurança nacional).
Era e é previsível a que ponto isso pode chegar.
Agora,
sobre a instituição (o leitor já sabe que se trata do Ministério
Público), abate-se o impasse: quando os ministros do STF resolveram
buscar justiça pelas próprias mãos (a um só tempo investigadores,
julgadores, censores, aplicadores), ficou visível que a Instituição
dentro da qual um grupo obstaculizou o exercício regular do direito
sem sofrer firme oposição, não encontra o caminho de volta, nem se
abre para ouvir vozes não morosas.
Vale lembrar:
Há
séculos, a própria caça passou a possuir classificação e regras:
caça de montaria (caça utilizando-se cavalo e arma de fogo),
volatória (com utilização de aves de rapina ensinadas), altanária
(caça de volatória). Há tratados antigos sobre isso, dentre os
quais – Livro da Montaria, de Dom João I, Rei de Portugal; Livro
de Ensinança de bem calvagar toda sella, de Dom Duarte. O direito
passou a regulá-la: o alvará de 31 de Outubro de 1468 apenava todos
aqueles que utilizassem rede, candeia (tocha) e boi (caçador cobrir
com o couro do boi para enganar as aves, que o seguiam), na caça de
perdizes. Provisão de 7 de novembro de 1499 previa pena para
aqueles que utilizassem bestas e armadilhas para caçar pombas. Lei
de 19 de dezembro de 1560, de Dom Sebastião, proibiu que em março,
abril e maio houvesse caça a perdizes e destruição de seus ovos,…
A
própria caça possuía regras e penas.
Hoje,
trata-se de caça?
O
certo é que a instituição não está encontrando o caminho de
volta e não pode ampliá-lo e o STF, por seu presidente, desconhece
que até mesmo a caça tem suas regras, mesmo que se trate de caça altanária.
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